Era a madrugada da terça-feira de carnaval no Rio de Janeiro.
Nas ruas, reinava um louco burburinho, mesclado ao som dos pandeiros e outros instrumentos de percussão.
Fantasiado ou não, todo mundo ria, feliz ou, no mínimo, se divertindo.
Essa confusão alegre subia da pista da avenida Rio Branco, na Cinelândia, até o quartinho de um hotel barato, onde Eva agonizava.
Xavier gostava de samba, já havia comparecido antes ao carnaval do Rio de Janeiro.
Mas foi a primeira vez que trouxe Eva consigo – “a primeira e a última”, pensou, amargurado.
Ela se recuperava de uma grave doença, a viagem seria um presente.
“Uma viagem, um presente de despedida”, disse a si mesmo.
Nas ruas, o batuque soava forte e impetuoso, cheio de vida, tão diferente dos acordes e dos poemas lancinantes dos tangos, que os dois tanto amavam.
“Ah, se tivéssemos ficado em Buenos Aires...”, censurou-se pela milésima vez.
“Ali tínhamos médicos conhecidos, hospitais, amigos para amparar-nos.
Aqui, não conheço ninguém, e logo ficarei sozinho, Eva será roubada de mim pela morte.
Nunca mais vou ouvir seu riso cristalino, seus lábios nunca mais vão me beijar”.
Ele sabia que iria receber censuras por não ter levado Eva a um hospital.
Tinha certeza, porém, de que a morte da amada era inevitável, e queria passar até o último segundo junto a ela, cobrindo de beijos aquelas mãos que ficavam mais frias a cada momento.
Não pretendia perder aqueles momentos preciosos, entregando-a aos cuidados impessoais de uma equipe médica.
Eva partiu ao romper do sol, na quarta-feira, quando o silêncio voltou a dominar a cidade.
Xavier lembrou de uma quadra da canção Maria, carnaval e cinzas:
" Morreu Maria quando a folia/Na quarta-feira também morria/E foi de cinzas seu funeral/ Viveu apenas um Carnaval”.
Pensou que era um bom epitáfio, mas logo fez que não com a cabeça e abriu um sorriso amargo.
“Não, Eva viveu mais, muitíssimo mais que um carnaval.
Viveu cada momento de seu trabalho como artista visual, que amava; viveu cada compasso dos tangos que bailávamos; viveu cada segundo de nosso amor, aninhada em meus braços, afastando minhas tristezas com as carícias bondosas de suas lindas mãos”.
E, com o coração cheio de cinzas, pela primeira vez, desde o começo da agonia da amada, Xavier conseguiu chorar.
CarlWeiss
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" Mais que ontem , menos que amanha "
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